Gordura no Fígado

Introdução

Presença de gordura no fígado tem se tornado, mais recentemente, um assunto comum de conversas informais, seja entre amigos, seja entre familiares. Entretanto, isso tem gerado pouca ou nenhuma preocupação para a maioria das pessoas envolvidas.

A esteatose vem, com isso, se tornando uma “doença do fígado” de ocorrência cada vez mais conhecida da população em geral. Há, no mínimo, três causas claras para esse aumento.

  • Maior divulgação e esclarecimento das pessoas, e nisso a Internet e as redes sociais têm papel fundamental.
  • A realização de exames de imagem no contexto dos exames de rotina, em especial o ultrassom, que é disponível até mesmo em locais longínquos.
  • A verdadeira “epidemia” de obesidade e diabetes que ocorre em todo o mundo.
  • A simples presença de alterações no colesterol, e principalmente o aumento dos triglicérides (e também pressão alta) já devem ser motivo de atenção, e detalhes a respeito serão discutidos mais abaixo.

A chamada “esteatose” pode, na realidade, não ser “apenas uma esteatose”.

Então, vamos didaticamente separar as possibilidades de modo a facilitar o entendimento.

  • A Doença Hepática Gordurosa Não Alcoólica (DHGNA) será nosso foco.
  • A chamada DHGNA pode, na realidade, ser esteatose ou esteatohepatite.

 

E o que é tudo isso? Qual a diferença? E isso importa?

A esteatose caracteriza-se pelo acúmulo excessivo de gordura (lipidios) nas células do fígado denominadas hepatócitos. Isso pode se manter por muito tempo dessa forma, sendo quadro benigno. Pessoas morrem com esteatose, mas não morrem pela (ou por causa da) esteatose.

Se fatores de gravidade (a serem discutidos) não forem controlados, então a doença pode evoluir para a esteatoepatite. Nessa fase a esteatose se associa a inflamação, morte de células com deposição de cicatriz (fibrose), podendo então haver progressão para cirrose e para o câncer de fígado.

Diferentemente do que ocorre na esteatose, na esteatohepatite, aí sim, pode-se “morrer por causa dela”. Num resumo bem simplista e inicial, esteatose é a gordura “do bem” e esteatohepatite é a gordura “do mal”.

Deve-se esclarecer, já de antemão, que o ultrassom não tem a capacidade de diferenciar esteatose de esteatohepatite. Mas esse tema também será discutido mais adiante.

Já virou também tradição a utilização da sigla em inglês (NASH) para se referir à esteatohepatite não-alcoólica. A tradução da sigla NASH significa non alcoholic steatohepatitis.

 

O que determina que uma esteatose se transforme em esteatohepatite (ou NASH)?

Os principais fatores de risco constam da lista abaixo. Serão suprimidas, apenas do ponto de vista didático, doenças raras ou causas que necessitam abordagem específica.

 

 

  • Obesidade e sobrepeso com obesidade central.
  • Diabetes mellitus.
  • Pré-diabetes com resistência insulinêmica (esse diagnóstico pode ser feito por exames de laboratório).
  • Dislipidemia (as alterações mais frequentes são o aumento dos triglicérides e/ou HDL baixo).
  • Hipertensão arterial.
  • Alguns medicamentos (corticosteroides ou cortisonas, tamoxifeno, esteroides anabolizantes e algumas outras “bombas de academia”, etc.).

A associação de obesidade, diabetes e dislipidemia e hipertensão caracteriza a chamada síndrome metabólica (presença de três ou mais dessas condições).

Sabidamente, a DHGNA é considerada o componente hepático da síndrome metabólica.

 

Tenho gordura no meu fígado. Qual é a chance de que seja esteatohepatite (NASH)? Por quê?

  • Em primeiro lugar a chance se ser NASH ou se tornar NASH depende da presença e da persistência dos fatores de risco anteriormente mencionados.
  • Em termos numéricos, e utilizando dados de estudos realizados em várias partes do mundo, cerca de 25% dos casos de DHGNA são, na realidade, NASH (e o restante esteatose simples).

 

Como saber se meu diagnóstico é de esteatose ou esteatoherpatite (NASH)?  

Sabemos que o mundo moderno trouxe muita facilidade no acesso a inúmeras informações. É comum se citar que a “consulta foi com o Dr. Google”.

Para algumas pessoas, e há que se respeitar isso, a consulta ao Dr. Google é necessária. Deve ficar claro, entretanto, que ela não é suficiente.

É importante que os pacientes sejam avaliados por meio de uma consulta médica formal, idealmente por um médico hepatologista (especialista em doenças do fígado). Esses médicos, associando uma avaliação clínica e exames complementares, poderão estabelecer o diagnóstico seguro da DHGNA. Esses podem constar de exames de laboratório (enzimas hepáticas, colesterol total e frações e triglicérides, glicemia, insulina entre outros), exames de imagem (ultrassonografia de abdome, tomografia computadorizada, ressonância magnética e elastografia hepática) e, em casos selecionados, uma biópsia do fígado.

Leve a seu médico sempre o maior número de informações que tiver, incluindo exames antigos. Prepare-se para sua consulta com antecedência e não na correria. Com informações erradas ou incompletas este poderá, eventualmente, desenvolver um raciocínio errado, que poderá levar até mesmo a uma conclusão igualmente errada que, por sua vez, definirá uma orientação errada. Tudo isso o levará a um resultado igualmente errado. Então, não subestime a qualidade das informações solicitadas por seu médico.

 

Meu médico afirmou que meu diagnóstico é de esteatohepatite (NASH)? Isso significa que meu fígado é o problema?

Não obrigatoriamente, e isso é importante que seja bem compreendido. Como já citado, a DHGNA (esteatose, com eventual progressão para esteatohepatite ou NASH)

é a manifestação hepática da síndrome metabólica. Mas a síndrome metabólica é uma alteração que compromete todo o organismo, com aumento de risco cardiovascular e até mesmo maior incidência de câncer em vários órgãos (que não o fígado).

Estatisticamente comprova-se que uma minoria dos portadores de síndrome metabólica morre por causa do fígado. Assim, fica claro que tratar apenas o fígado (se isso fosse possível) não resolve o problema, mas apenas uma face do problema. Corrigir o efeito não é o mesmo que corrigir a causa.

Daí a necessidade de uma abordagem ampla de modo a conhecer os fatores determinantes e corrigir a causa e não o efeito no fígado individualmente.

Conhecendo seu caso individualmente e a fundo, seu médico hepatologista saberá abordar a causa do “defeito metabólico” causador de tudo de modo a ajudá-lo de modo seguro.

 

Qual o prognóstico da DHGNA?

O prognóstico pode ser bom, mas depende da fase em que a doença for diagnosticada e principalmente da aderência dos pacientes às condutas clínicas e tratamentos recomendados.

A figura mostra claramente que não é maioria que irá destruir o fígado. Mas está longe de ser um percentual ou número desprezível.

Controlado os fatores causais, a esteatose pode permanecer estável na maioria dos pacientes e por muito tempo. Em 20 a 25% dos casos haverá evolução para esteatoepatite, que por sua vez também pode ser controlada com tratamento adequado.

Assim, são condutas fundamentais e determinantes para um melhor prognóstico:

  • diagnóstico precoce.
  • aderência ao tratamento.

O que mais eu devo saber?

O que mais eu preciso saber?

Algo mais que possa me ajudar?

  • Não se contente com um diagnóstico simplista apenas baseado num ultrassom.
  • Enzimas hepáticas (exame de sangue) normais podem ocorrer em até 20% dos casos de esteatohepatite.
  • Cerca de 30% dos transplantes de fígado no mundo ocidental são realizados em consequência de cirrose por NASH (a maioria obesidade ou diabetes).
  • Se antigamente o único exame comprobatório da presença de fibrose era a biópsia hepática, isso já não mais ocorre.
  • Consenso conjunto entre três sociedades europeias (fígado, diabetes e obesidade) sugerem a não aceitação simples de enzimas normais e esteatose ao ultrassom, recomendando fortemente o uso de marcadores de fibrose.
  • Tal consenso sugere, como alternativa, o encaminhamento para a avaliação de um especialista.
  • Vários métodos não invasivos (sem biópsia) podem hoje detectar e quantificar fibrose tais como elastografia transitória (Fibroscan®), elastografia por ultrassom (Shear Wave ou ARFI), elastografia por ressonância magnética, dentre outros.

Então o que mais posso fazer?

  • Se você tem um exame de imagem com esteatose, converse com seu médico e pergunte se em seu caso não se justifica ouvir um especialista em hepatologia.
  • Eventualmente, peça a ele para solicitar um exame para quantificar fibrose.

 

Interpretação de exames e conclusão diagnóstica são atos médicos, que dependem da análise conjunta de dados clínicos e de exames subsidiários, devendo, assim, ser realizadas por um médico.